sábado, 17 de março de 2012

TROPICÁLIA NASCEU NA BAHIA

A Tropicália foi o último movimento cultural brasileiro significativo; foi um movimento para acabar com todos os movimentos, e uma compreensão clara da realidade Brasileira. Não foi somente um movimento musical, mas um entendimento do movimento das artes que se manifestaram nas esculturas, literatura, pintura, filme, teatro, poesia e artes plásticas. O nome surgiu de uma exibição de arte ambiental em abril de 1967, “Tropicália”, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, realizada por Hélio Oiticica. Artistas que sonhavam com uma nova estética para o Brasil e que lutavam para dissipar as absurdas imagens de fantasia do país trouxeram à tona assuntos como a mentalidade de consumo e o impacto da mídia de massas ao mesmo tempo que demandavam a destruição da direita política e o conceito de um Brasil unicamente carioca.
É curioso que o surgimento deste movimento não se tenha originado nos principais centros culturais do Rio de Janeiro e São Paulo, e sim na Bahia, com seu turbulento contexto cultural nos anos 60. Havia uma distinta petulância na Bahia daquela época.  Artistas tinham a liberdade de criar, de serem ambiciosos e audaciosos.  Até certo ponto, essa atitude foi o resultado do trabalho realizado pelo reitor da Universidade da Bahia, Edgar Santos, que abriu as escolas de teatro, dança e musica. A Universidade da Bahia (UFBA) foi um fábrica de idéias onde os novos Baianos formularam a visão de uma vanguarda artística e criaram trabalhos que poderiam parecer arrojados mesmo para o “Primeiro Mundo”. Professores como o inventor de instrumentos Walter Smetak e autor/diretor de teatro Luis Carlos Maciel ensinaram conceitos pioneiros sobre arte e influenciaram uma geração inteira. Em virtude dessa atitude e pela presença de mentes inovadoras, o palco foi “montado” para uma explosão cultural. 
A Tropicália teve a mesma intenção de modernizar a cultura brasileira que o movimento da Semana de Arte Moderna de 1922, estabelecido em São Paulo para representar uma revolta contra a tradição conservadora. A Semana de Arte defendia a libertação das noções de preceito e preconceito e rebelou-se contra a eloqüência exagerada e falsa reverência pelas artes clássicas. Metáforas de canibalismo foram adotadas para encorajar a adaptação criativa e a integração das idéias estéticas européias. Artistas devoraram a arte clássica considerada passé e a infundiram com suas visões pessoais, reconstruindo-a em formas novas e originais. A Semana de Arte caminhou em direção a uma visão brasileira do mundo sob o estandarte canibalista, em direção a uma assimilação crítica da experiência estrangeira e sua reconstituição nos termos e circunstâncias brasileiros. O movimento de 1922 foi marcado por um espírito de rebelião contra o establishment, mas, em termos de ideologia, desenvolveu-se como nacionalismo dinâmico.
As raízes da Tropicália localizam-se no movimento da Semana de Arte Moderna, mas seu desabrochar foi ligado a algo totalmente novo para o Brasil, um fenômeno para o qual o governo e o público não estavam preparados: uma contracultura. Foi algo simultaneamente “Primeiro Mundo” e genuinamente brasileiro. Foi uma contracultura deslumbrada pelo que estava acontecendo nos Estados Unidos e Inglaterra, onde o artista era colocado diante da realidade, livre e incondicionalmente. Havia uma sensação de alegria que manifestava a incontrolável vontade de absorver tudo.  As percepções de arte foram reduzidas a seus componentes mais fundamentais, a seguir foram re-organizadas, recicladas e recombinadas em novos padrões e novos relacionamentos até que restassem apenas fragmentos distantes do conceito original. Valia tudo.
Em 1964, com inflação desmedida e uma divida externa crescente, o Brasil se encontrava num estado de caos financeiro. Convencido que o país havia se tornado ingovernável e que a política de esquerda teria ido longe demais, um grupo de generais do exército tomou o controle e embarcou em uma campanha de violência física. Mangueiras de incêndio foram ligadas rapidamente sobre os cidadãos do país e oponentes políticos foram torturados e assassinados. A repressão após o golpe militar de 1964 fez com que o Brasil se tornasse um deserto criativo. Ironicamente, essas medidas deploráveis nutriram a criatividade dos artistas. Ter coragem tornou-se moda. Todas as disciplinas exibiam soluções imaginativas e ágeis para poder “co-existir” com as rígidas proibições do regime. Artistas tornaram-se especialistas em metáforas já que política e arte caminhavam lado a lado.
O perfil musical da Tropicália foi o seu lado mais controverso. Na corrente evolucionária dos movimentos musicais de protesto, o Tropicalismo foi o principal desenvolvimento que ocorreu após a bossa nova. Desafiando os costumes artísticos aceitos, os tropicalistas se propuseram a superar o que sentiam ser subdesenvolvido em termos de musicalidade.  Construíram uma estratégia neo-canibalista inspirada livremente no Modernismo literário radical dos anos 20, nos poetas concretos dos anos 50, e no samba, na música indígena, em Jimi Hendrix e nos Beatles. A ênfase foi colocada na unificação das mais avançadas idéias musicais.
As composições eram misturas inteligentes, bem humoradas e muitas vezes paradoxicais que criavam controvérsias, avaliavam criticamente as tradições culturais, ou se concentravam nas incongruências da sociedade. Vários artistas examinaram a estrutura sócio-econômica contraditória, uma construção açoitada pela inflação onde o arcaico e o moderno coexistiam e colidiam. Em seus esforços para estimular a música popular Brasileira, os Tropicalistas usavam radicais cabelos longos e vestimentas psicodélicas e tocavam guitarras como táticas em sua guerra cultural.
Caetano Veloso e Gilberto Gil, dois músicos baianos que defendiam uma abertura criativa e uma versão critica da música popular brasileira de modo geral, impulsionaram esse breve, porém tremendo movimento de influencias. Gil é um músico com enorme percepção rítmica, temperamento artístico e entendimento emocional. Caetano, intelectual e filósofo, pessoa irracional fascinada pela razão, é considerado muitas vezes a figura central do movimento como compositor e agitador cultural. Caetano recentemente afirmou, no entanto, que foi Gil quem sempre esteve à frente de todos, que foi Gil o mais corajoso, e que Gil liderou e abriu o caminho para o que Caetano, vindo atrás, viria a organizar e moldar mais tarde. Todavia, a força do Tropicalismo é atribuída às diferenças únicas dos dois artistas.
Em 1965 Gil e Caetano estavam em São Paulo e foram expostos ao próspero mundo das artes da cidade. Foi aí que eles desenvolveram o som quente e o conceito de mistura, que antecipou os “mixologistas” de hoje. A idéia dos dois artistas era criar música na qual tudo tivesse o seu lugar: Luiz Gonzaga, os Beatles, Chuck Berry, João Gilberto e na qual a guitarra e o pandeiro fossem filhos da mesma mãe.
Juntamente com Caetano e Gil estavam os poetas e letristas Torquato Neto e José Carlos Capinam, o compositor Tom Zé, as vocalistas Gal Costa e Nara Leão, o trio de rock Os Mutantes e o compositor e arranjador Rogério Duprat. O grupo agregou um valor particular à interação entre música e texto, e extraiu uma inspiração especial dos mais radicais do Modernismo Brasileiro, Oswald de Andrade (1890-1954). Com Oswald de Andrade como guia, seu objetivo era recapturar a linha evolucionária da música brasileira.
As energias criativas do Grupo resultaram no álbum coletivo Tropicália ou Panis et Circensis (Tropicália ou Pão e Circo), uma declaração pública dos motivos e uma realização dos princípios estéticos do movimento. O título, uma mistura de línguas, foi extraído do poeta Juvenal que falou com desdém para cidadãos romanos que viviam como rebanho, pedindo por nada mais que comida e entretenimento.  Várias faixas do álbum Tropicália falam de questões sociais, mas em vez de denunciar injustiças ou a condição da pobreza rural, o grupo zomba do entusiasmo pelo desenvolvimento do país e foca na alienação pessoal da sociedade brasileira.
“Parque Industrial”, de Tom Zé, satiriza o entusiasmo com o qual a industrialização e a implementação de uma economia de exportação eram vistas como soluções para os problemas brasileiros. A música também critica os estereótipos utilizados em propagandas e desafia a hipótese de pró-desenvolvimento do período. “Baby”, escrita por Caetano Veloso, desvela a importância exagerada colocada nas formulas de sucesso em relação ao Inglês, a preocupação da juventude em estar atualizada, e a criação de falsas necessidades de consumismo. Com isso, levanta questões sobre a influência de nações super poderosas em assuntos estrangeiros – havia suspeitas que a CIA estava por trás do golpe de 1964.
“Geléia Geral”, composta por Gil e Torquato Neto, sintetiza os objetivos do grupo Baiano em texto e música sobrepondo o rústico com o industrial. O tradicional gênero folclórico bumba meu boi foi usado como base rítmica, mas houve grande contraste com o instrumental do rock elétrico, enquanto as melodias líricas zombavam do patriotismo desenfreado e da pomposa estrutura da arte tradicional. Um álbum com conceito coletivo, Tropicália ou Panis et Circencis, misturou a forte controvérsia com discussões estimulantes sobre a história da música e o papel da música popular na sociedade. O LP vem mantendo a posição de ser um dos mais importantes documentos da cultura Brasileira contemporânea.
Gil e Caetano decidiram usar o terceiro festival de MPB (Outubro 1967) como fórum para lançar seu radical e novo movimento musical. Na época os festivais anuais de música pop eram um dos mais importantes desenvolvimentos no cenário musical. Os festivais eram tão importantes no Brasil quanto o futebol. Caetano cantou “Alegria, Alegria” acompanhado pelos Beat Boys, um grupo de rock da Argentina. A música era uma marcha com uma relação interessante com “A Banda” de Chico Buarque. Chico Buarque e Caetano Veloso foram grandes “rivais” na época. Pode-se, na verdade, cantar a música de uma com a melodia da outra. A audiência, intensamente nacionalista, honrava a autêntica música brasileira. Ao ouvir “Alegria, Alegria”, uma música de rock anti-nacionalista, Caetano foi vaiado. Muitos dos ouvintes não podiam se identificar com esta imagem fragmentada.(...)
Seria seguro dizer que desde o Tropicalismo, nada foi o mesmo.  A ex-Mutante Rita Lee declarou em uma recente entrevista, “a Tropicália foi uma tatuagem para o resto da minha vida, o jardim de infância musical onde eu aprendi a escrever letras em português, a cantar em espanhol, a tocar em inglês, a dançar em africano, e a compor em esperanto”.  O diretor tropicalista José Celso Martinez Corrêa (Zé Celso) disse, “Estamos sentindo isso agora. Não é um vestígio. A Tropicália é um sentimento extremamente atual no Brasil, agora que o Brasil está tentando achar seu próprio caminho em meio à globalização”.  O que aconteceu aos líderes intelectuais e artistas por trás do movimento e as modificações que o movimento trouxe para a MPB e, consequentemente para a cultura brasileira, tudo isso é herança da Tropicália. 

O NIVER DO TROPICALISMO!! 45 ANINHOS DE MUITA HISTÓRIA.

 “A neve e as tempestades matam as flores, mas nada podem contra as sementes”. (Kalil Gibran Kalil).